Pensão por morte devida ao filho maior de 21 anos: o Projeto de Lei n. 2.483/07

Publicado en por Carlos Eduardo Bistão Nascimento

Pensão por morte devida ao filho maior de 21 anos:
o Projeto de Lei n. 2.483/07
[1]


Carlos Eduardo Bistão Nascimento

 

 


 


 

Introdução

 

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 2.483/07, de autoria do Deputado Federal Cristiano Matheus (PMDB-AL), propondo alteração nos artigos 16 e 74 da Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios Previdenciários). Em breve suma, objetiva o referido projeto assegurar o direito à percepção de pensão por morte no caso de falecimento dos pais ao filho maior de 21 anos, desde que comprovada a dependência econômica, por um prazo máximo de 6 meses. Em nosso sentir, tal proposta reveste-se de inegável avanço social pelos motivos a seguir expostos.


I. A proteção constitucional


O Constituinte, ao estabelecer o sistema de proteção social, dispôs, no artigo 201 do texto constitucional, com a redação atual conferida pela Emenda n. 20/98, que:


"Art. 201 (CR/88). A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
(...)
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98)
(...)

§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98)"


É cristalina a intenção constitucional no sentido da proteção familiar diante da hipótese de óbito do segurado. Com efeito, nesta situação cria-se uma debilidade econômica, vez que o salário ("salário" aqui concebido em seu sentido amplo e não na acepção estrita, própria do Direito do Trabalho) que o segurado recebia deixa de ingressar na ambiente familiar; os demais membros da entidade familiar, dependentes daquele segurado, deixam de ter seu sustento provido e é esta a hipótese (contingência) que a Previdência Social, arquitetada no plano constitucional, pretende amparar.


A norma constitucional explicitada no inciso V do artigo 201 garante a pensão por morte ao cônjuge ou companheiro do segurado falecido e aos seus dependentes. Ao cônjuge e ao companheiro, a concessão do benefício resta clara àquele que comprovar o matrimônio ou a existência de união estável. Entretanto, para os demais dependentes (que não o cônjuge ou o companheiro), sob a perspectiva exclusivamente constitucional, há que se demonstrar o vínculo da dependência com o segurado falecido.


Observe-se que a redação do referido inciso V não classifica, por si só, quem seja dependente; por este motivo, podemos afirmar que no plano constitucional dependente pode ser todo aquele que, de alguma forma, tinha seu sustento provido pelo segurado falecido. Tal mister, de definir o alcance da proteção aos dependentes, por previsão expressa da constituição (art. 201, caput, fine), cabe à legislação infraconstitucional.


II. A regulação infraconstitucional


O legislador ordinário, ao tratar da matéria, deu as bases daquilo que se deve considerar como dependência, estabelecendo, no artigo 16 da Lei n. 8.213/91 (Plano Básico da Previdência Social) que:


"Art. 16 (Lei n. 8.213/91). São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei n. 9.032/95)

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei n. 9.032/95)"


Estipula a referida lei, preenchendo o conceito geral e aberto do texto constitucional, que os dependentes serão, tão-somente, o cônjuge, o companheiro ou a companheira, o filho menor de 21 ou inválido, os pais e o irmão menor de 21 ou inválido, observando-se que a existência de um dependente de qualquer uma das "classes" (vale dizer, de qualquer um dos incisos do caput do art. 16) exclui o direito de percepção do benefício às demais classes, na forma do § 1º do artigo 16 em comento. Assim, concorrendo o cônjuge e os pais ao benefício, terá direito à pensão apenas o cônjuge - que pertence à "classe I" -, restando excluídos os pais - que pertencem à "classe II" -, neste exemplo, por disposição legal.


Entretanto, há que se observar que o conceito constitucional de dependência, aberto que é, não pode sofrer limitações absolutas mas, tão-somente, deve ter seu conteúdo delimitado (conformado), ou seja, assinalado, apontado pelo ordenamento infraconstitucional. Não obstante os termos "delimitação" e "limitação" tenham idéias próximas, suas significações nos parecem ser bastante diferentes.


A Constituição, ao conceder determinada proteção, faz ingressar no ordenamento um comando (quer pela via de princípio, quer pela via de regra) que deve ser observado; esta proteção, dali em diante, deverá sempre ser levada em consideração. Não raro, o texto constitucional dá ao legislador ordinário, até mesmo pela complexidade das relações que trata, a incumbência de regulamentar determinadas matérias, permitindo, com isso, que Lei estabeleça critérios e dê parâmetros para a efetivação da proteção objetivada pela Constituição. É o que ocorre na presente hipótese de proteção aos dependentes pela via da concessão de pensão por morte.


Deve-se frisar, por apego ao reforço da idéia, que há, nestes casos, a mera determinação constitucional de que a matéria venha a ser delimitada por Lei infraconstitucional e não a abertura da possibilidade de que lei futura venha restringir a proteção dada pelo texto constitucional. Nem mesmo sob a já ultrapassada ótica do positivismo estrito, ao escalonar hierarquicamente os diversos tipos de lei, seria possível tal interpretação, no sentido da existência de lei que reduza o comando constitucional. Assim, delimitar é a função da lei, indicando os parâmetros básicos para a efetivação do direito (no caso, da proteção), ao passo que limitar (restringindo, no caso dos direitos sociais) é operação que não pode ser tolerada no sistema.


Poderíamos, ainda, invocar a classificação das normas constitucionais quanto à sua eficácia (plena, contida ou limitada, no melhor diapasão da doutrina clássica), no intuito de demonstrar que limitar e delimitar são atividades legislativas distintas; entretanto tal tarefa, além de alongar deveras o presente ensaio, acabaria por fazer ressoar outras questões (importantes, por sinal) mas que fugiriam ao tema proposto.


Retomando a idéia da pensão, a Constituição permitiu, ao dispor tão-somente sobre "dependentes", que norma infraconstitucional venha a delimitar este conceito. E, por ocasião da edição da Lei n. 8.213/91, o legislador cumpriu sua incumbência, estipulando, no já citado artigo 16, quais serão os dependentes abrangidos pelo sistema (e, por exclusão, quais não serão albergados pela proteção).


III. Da necessidade de se repensar o conceito de dependência


Entretanto, pela prática diária percebeu-se que a proteção social não se fazia de forma efetiva; a limitação objetiva à idade máxima de 21 anos fez com que determinadas pessoas, subjetivamente carecedoras do benefício, fossem excluídas da percepção previdenciária. Observe-se que um caráter objetivo (geral) por vezes exclui a aplicação da lei a um destinatário que, por características particulares (portanto, subjetivas) mereceria tal proteção. Neste sentido, o texto do Projeto de Lei em comento resta muito acertado, por dar margem à averiguação da dependência econômica mesmo aos filhos maiores de 21 anos. Ou seja, afasta-se (ainda que em caráter excepcional) o critério unicamente objetivo da idade para se tomar em consideração também o critério da dependência econômica, este sim mais ligado à idéia de necessidade [2].


Clara é lição dos professores Marcus Orione e Érica Correia que, ao analisar a interpretação do sistema de seguridade social num caso hipotético de pensão por morte, no qual haveria um suposto conflito entre o art. 16 da Lei n. 8.213/91 e a Constituição, concluem o seguinte:


"Então, na lei n. 8.213/91, teremos uma solução. Já ao lermos a Constituição, teremos outra solução. Mas a Lei n. 8.213/91 deixou de existir? Não, ela está lá, aquele é um patamar a partir do qual nos guiamos para grande das situações. Mas, na hipótese concreta, um cotejo dos princípios e da idéia de dignidade humana sugeriria uma solução que,embora diferente do artigo ali exposto,o art. 16, I, II, § 1º, na verdade assegura o conceito constitucional de segurança social. Só é possível este tipo de ilação, dentro de uma construção conceitual da Constituição: da idéia do termo, da busca do termo, da busca do que seja a segurança social." [3]


Por certo, também não é interessante ao sistema (nem mesmo aos próprios beneficiários) que, de forma diametralmente oposta, não existisse nenhum tipo de limitação; o sistema se desequilibraria (pela concessão desmedida de "pensões eternas" aos filhos) e os próprios beneficiários seriam prejudicados, na medida em que situações de grande desigualdade poderiam ser verificadas. Não se pretende, pois, o afastamento completo dos limites objetivos mas, sim, que o ordenamento infraconstitucional preveja mecanismos de averiguação da real necessidade econômica diante do caso concreto.


A estipulação de cláusulas objetivas, fechadas, nestes casos engessa o aplicador da norma (notadamente a administração pública na figura do órgão concessor dos benefícios e o Poder Judiciário) e, por este motivo, necessária se faz a arquitetura de uma válvula dosadora para que o aplicador, diante da concretude diária, possa ter certa margem de aplicação da norma, legalidade e a razoabilidade na concessão do benefício. Esta válvula é, portanto, a possibilidade da comprovação da dependência econômica, relativamente aos filhos maiores de 21 anos, para a percepção da pensão por morte por um período determinado, como proposto pelo Projeto de Lei em análise.


É neste sentido que recebemos com satisfação o Projeto de Lei n. 2.483/07, do Deputado Federal Cristiano Matheus. A sua proposta de alteração vem, precisamente, tentar minorar a problemática da limitação exclusivamente objetiva (etária) para a percepção da pensão por morte pelo filho do segurado.


Devemos dar ênfase ao fato de que a alteração não pretende a criação de uma quarta categoria de classes para pensão; pelo contrário, parece-nos que o projeto, acertadamente, vem possibilitar a existência de um tratamento excepcional à uma situação igualmente excepcional, qual seja, a da hipótese do filho maior de 21 anos que dependia dos pais para seu sustento. Tanto é excepcional a hipótese que admitir-se-ia a pensão por morte somente por um prazo determinado, de 06 meses, após o qual restaria cessado o direito ao benefício.


É bastante nítida a separação entre a hipótese de dependência trazida pelo Projeto de Lei e as hipóteses atualmente vigentes em nosso sistema previdenciário, motivo pelo qual, ante a curta duração do benefício (de, no máximo, 06 meses) e a particularidade do beneficiário (o filho maior de 21 anos com comprovada dependência econômica) poderíamos dizer tratar-se (utilizando-se aqui um neologismo) de um caso de "sobre-pensão", no sentido de que este benefício excepcional se estende para além das hipóteses tradicionalmente previstas nos incisos I a III do art. 16 da Lei n. 8.213/91. Por este motivo, a idéia de diferença, de excepcionalidade deve permear a aplicação desta nova modalidade de pensão proposta, não se confundindo com as demais hipóteses já existentes (daí falar-se na "sobre-pensão").


IV. Da jurisprudência


A questão da possibilidade de concessão da pensão por morte ao filho maior de 21 anos já foi enfrentada pelos nossos Tribunais. Embora não se possa afirmar que seja pacífica a orientação, vislumbra-se farta ocorrência de julgados admitindo a hipótese, pontualmente em relação ao dependente que à época do óbito do segurado cursava grau superior.


Neste sentido, trazemos à discussão julgado de agosto de 2006, de relatoria do Exmo. Desembargador Federal Castro Guerra, do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que pondera em seus fundamentos [4]:

 

"Os dependentes fazem jus à proteção social por direito próprio, em virtude da necessidade econômica instaurada pela morte, cuja contingência social exprime falta ou diminuição de meios de subsistência que lhes proporcionava o segurado, instituidor da pensão.


Lado a lado com outras contingências sociais eleitas pelo art. 201 da Constituição, todas essas situações constituem corolário da dignidade humana, que nesse quadro social assume, como valor, a posição de fundamento normativo de nossa Constituição (art. 1º, III).

(...)

Aliás, cumpre ter em mente que o risco de não concluir o curso superior afeta não apenas o dependente, mas igualmente a coletividade, a quem se destina, em simultâneo, a capacitação intelectual e profissional das pessoas, segundo acentua Jorge Miranda:

(...)

Não se concebe situação dessa ordem que ameace o pleno exercício da dignidade humana, ao limitar, pela idade, o livre desenvolvimento da personalidade, por não ser possível ao dependente de 21 anos realizar ele próprio suas necessidades ou por acarretar sensível desequilíbrio dos meios de subsistência.

(...)

Sob outro ângulo, ao remeter a Constituição à mediação legislativa ("nos termos da lei") a concretização do direito dos dependentes, não autorizou à lei ordinária sacrificar legítimos direitos de libertação das necessidades sociais que impeçam o desenvolvimento de potencialidades destinadas ao alcance de uma vida melhor.


É que o acesso a níveis superiores de ensino do dependente, como é intuitivo não fez desaparecer a necessidade que decorre da contingência social (morte), pois, aqui, a dependência identifica-se com o que o segurado (pai, etc.) faria, se não tivesse falecido.

(...)

É, portanto, indispensável vincular o direito à proteção social aos objetivos de pleno desenvolvimento das faculdades da pessoa humana, com a garantia de a pensão por morte perdurar até o dependente universitário completar a idade de 24 (vinte e quatro), consentânea e razoável com o que faria o segurado, se não tivesse falecido, e estimam outras legislações a tal respeito."


Há que se fazer nota ao refinamento deste entendimento; com efeito, reconhece o magistrado que a lei, ao estabelecer o limite etário (21 anos), sacrifica "legítimos direitos de libertação das necessidades sociais que impeçam o desenvolvimento de potencialidades destinadas ao alcance de uma vida melhor". Ou seja, há sempre que se ter por parâmetro, nestes casos, o critério da dependência econômica.


Por certo, não se está aqui pretendendo a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal (qual seja, o art. 16 da Lei n. 8.213/91), mas, sim, a observância da real dependência econômica. Não pode a lei, por um critério estritamente objetivo, afastar a incidência de norma protetiva constitucional subjetiva, intrínseca ao destinatário da proteção - proteção esta que, frise-se, é mais que alimentar; é, em verdade, existencial.


Assumir, de plano, que a dependência economia cessa em determinada idade consiste, pois, em dar determinada rotulação legal que não se coaduna com a situação fática - distanciando-se, de forma preocupante, o Direito da realidade subjacente que deva normatizar. Desta feita, não age o citado julgado em desconformidade com a lei (contra legem) mas, em verdade, de acordo com a mais coesa interpretação conforme à Constituição [5].


Não podemos deixar de fazer menção também ao elevado entendimento apresentado pelo Desembargador Federal Sérgio do Nascimento que, por ocasião da apreciação da Apelação Cível  n. 1.219.952, certificou o seguinte [6]:


"Verifica-se, pois, que não se afigura adequado que uma lei concessiva de direitos seja interpretada com base no mesmo critério utilizado para interpretação de uma lei restritiva de direitos, ou seja, apenas com base em sua literalidade, desprezando-se seu aspecto teleológico.

(...)

Note-se que o § 4º do artigo 16 da Lei n. 8.213/91 versa sobre uma presunção relativa, estabelecendo, assim, a dependência econômica como requisito para que alguém receba um beneficio da Previdência Social na qualidade de dependente, ou seja, o fator preponderante não é a idade ou o grau de parentesco e sim a dependência econômica, razão pela qual a apreciação deste fato é imprescindível para a adequada interpretação do aludido dispositivo legal.

(...)

A interpretação é a produção prática do direito caso a caso, não existindo, assim, soluções previamente estruturadas no texto normativo, sendo, conseqüentemente, de extrema relevância o relato dos fatos a serem considerados pelo intérprete, bem como das respectivas circunstâncias."


Note-se que em ambos os julgados há ampla argumentação no sentido de se admitir a concessão da pensão em comento. Com efeito, a questão tem que passar, necessariamente, por toda uma construção interpretativa, fundada em princípios constitucionais e em juízos de proporcionalidade. Neste contexto, o Projeto de Lei que aqui tratamos permitirá que a tutela jurisdicional seja dada de forma mais direta, sem a necessidade de longas construções interpretativas; poder-se-á, caso aprovado o Projeto de Lei, deixar-se de lado (ainda que em parte) a fundamentação essencialmente principiológica (ou seja, mais difícil de ser produzida no caso concreto pela sua constante exigência em preencher determinados padrões de proporcionalidade) para se observar  critérios mais objetivos, trazidos pela própria Lei - logo, critérios positivados, operacionalizáveis (tangíveis) desde logo. Perde-se, por certo, a riqueza de argumentação própria da construção jurisprudencial baseada em princípios interpretativos mas, em contra partida, ganha-se o caráter imediato da aplicação de um direito positivado - que, frise-se, no caso em tela só será devido ante a comprovação da efetiva dependência econômica, na forma da redação do Projeto de Lei.


Em sentido bastante semelhante ao julgados aqui apontados (ou seja, admitindo a possibilidade de percepção de pensão por morte ao filho universitário maior de 21 anos), temos ainda, dentre diversos outros acórdãos, os seguintes:


1. TRF da 2ª Região (6ª Turma). Apelação Cível n. 197.037. Julgamento em 26.06.2002 (maioria). DJU 21.03.2003. Rel. Juiz André Fontes.


2. TRF da 2ª Região (2ª Turma). Agravo de Instrumento n. 119.666. Julgamento em 10.03.2004 (v.u.). DJU 22.03.2004. Rel. Castro Aguiar.


3. TRF da 3ª Região (10ª Turma). Apelação Cível n. 1.219.952. Julgamento em 13.11.2007 (v.u.). DJU 28.11.2007. Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento.


4. TRF da 3ª Região (9ª Turma). Agravo de Instrumento n. 276.408. Julgamento em 12.11.07 (maioria). DJU 13.12.2007. Rel. Des. Fed. Nelson Bernardes.


5. TRF da 4ª Região (6ª Turma). Agravo de Instrumento 2004.04.01.034203-0. Julgamento em 23.02.2005 (v.u.). DJU 09.03.2005. Rel. Juiz José Paulo Baltazar Junior.


6. TRF da 4ª Região (5ª Turma). Agravo de Instrumento 2004.04.01.003775-0. Julgamento em 25.05.2004 (v.u.). DJU 07.07.2004. Rel. Juiz Álvaro Eduardo Junqueira.


7. TRF da 5ª Região (2ª Turma). Agravo de Instrumento n. 63.328. Julgamento em 13.09.2005 (v.u.). DJ 17.10.2005. Rel. Des. Fed. Napoleão Maia Filho.


8. TRF da 5ª Região (2ª Turma). Apelação em Mandado de Segurança n. 88.682. Julgamento em 11/10/2005 (maioria). DJ 21.11.2005. Relator Des. Fed. Petrucio Ferreira.


Desta forma, é de se concluir que, embora a matéria não seja pacífica na jurisprudência (vale dizer: não tenha aceitação plena, unânime), a hipótese de concessão do benefício de pensão por morte aos filhos maiores de 21 anos, desde que comprovada a dependência econômica e na pendência de curso superior, está longe de ser questão judicial minoritária, lateral; pelo contrário, existe profusão de ocorrências na jurisprudência (inclusive com decisões recentes) a sustentar tal possibilidade, fato este que demonstra a força dos argumentos envolvidos.


V. Breve comentário à terminologia utilizada no Projeto de Lei


Devemos consignar, entretanto, que não entendemos como mais correta a terminologia empregada no inciso IA do art. 16, presente no Projeto de Lei em análise; com efeito, dispõe o art. 1º:


"Art. 1º (Projeto de Lei n. 2.483/07). A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

'Art. 16. .....................................................

IA - o filho não emancipado, de qualquer condição, com 21 (vinte e um) anos ou mais; ......................................................................' (NR)


'Art. 74 .....................................................................

Parágrafo Único. A pensão por morte concedida ao dependente referido no inciso IA do art. 16 desta Lei será paga por um período máximo de seis meses."


A expressão "filho não emancipado, de qualquer condição" deveria ser substituída por outra, pois o termo "emancipação" possui, no âmbito jurídico, sentido próprio já consagrado no Direito Civil. O instituto da emancipação representa a cessação da incapacidade civil, relativamente aos menores de 18 anos, e vem tratada no parágrafo único do artigo 5° do Código Civil, in verbis:


"Art. 5° (Lei n. 10.406/02, Código Civil). A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria."


Orlando Gomes, acerca da emancipação, nos ensina que:


"O menor relativamente incapaz pode tornar-se plenamente capaz antes de atingir a maioridade. Cessa, excepcionalmente, sua incapacidade em virtude da emancipação concedida pelos pais. (...)

Além da emancipação concedida, ocorre a emancipação por fato a que a lei atribuiu o efeito da cessação da incapacidade do menor. Diz-se que, nesse caso, a emancipação ocorre de pleno direito. (...)

A emancipação, seja qual for sua modalidade, habilita o menor a reger sua própria pessoa, assim como os bens em geral."  [7]


Existe, assim, conceituação muito sólida (para não dizer muito antiga) sobre o que seja emancipação, motivo pelo qual entendemos que este instituto não deve ser invocado pela maneira que se pretende.


É clara a intenção do autor do Projeto no sentido de expressar a possibilidade da percepção da pensão por morte ao filho maior de 21 anos, desde que comprovada a dependência econômica; nesse sentido, o deputado Cristiano Matheus explicita muito acertadamente, na justificação de seu Projeto de Lei [8], que:


"Em razão das dificuldades encontradas pelos jovens de hoje para se inserirem no mercado de trabalho, é comum que esses prorroguem ao máximo seus estudos, abrindo mão de ter uma renda presente, justamente para garantia de um futuro mais digno.

 

Aqueles que optam por esse caminho recebem o apoio financeiro dos pais para se dedicarem aos estudos. Entretanto, como a Previdência Social assegura apenas o direito ao recebimento de pensão por morte aos filhos menores de vinte e um anos, no caso de falecimento de seus pais, esses jovens passam de um dia para o outro a não terem qualquer rendimento para seu próprio sustento. (...)

 

A proposição em tela, portanto, pretende assegurar um período de seis meses de pagamento de pensão por morte aos filhos não emancipados de vinte e um anos ou mais, com dependência econômica comprovada, de forma que tenham um tempo mínimo para buscar um meio de sobrevivência no caso de falecimento de seus pais."

 

Assim, sugere-se a alteração do referido inciso IA para "o filho, comprovada a dependência econômica em relação aos pais, com 21 (vinte e um) anos ou mais", substituindo-se o vocábulo "emancipação", cujo conceito já cristalizado pela doutrina não revela a verdadeira intenção do legislador, que é de assegurar o mecanismo necessário para a comprovação da dependência econômica.


Há que se observar, por certo, que a escolha do vocábulo mais adequado não se reveste de uma opção puramente estética mas, sim, importante instrumento de compreensão do Direito, fato este que é potencialmente aumentado tendo em vista tratar-se da própria redação legal, a mais verdadeira e direta fonte do ordenamento jurídico. Não podemos deixar de citar as precisas palavras de Bobbio, trazidas por Paulo de Barros Carvalho, para quem "o rigoroso cuidado na terminologia não é exigência ditada pela gramática para a beleza do estilo, mas é uma exigência fundamental para construir qualquer ciência" [9].



VI. Considerações finais


Como já salientado, o Projeto de Lei n. 2.483/07 merece louvor; representa significativo passo a diante na conquista dos direitos sociais. Em outra perspectiva, apaziguaria também, pelo menos em parte, a jurisprudência ainda vacilante acerca da possibilidade ou não da percepção de pensão por morte pelo filho maior de 21 anos. Há que se ressaltar, contudo, que por ocasião dos debates relativos ao referido Projeto de Lei, deve ser promovida a alteração na redação do proposto inciso IA do art. 16 da Lei n. 8.213/91, em busca de expressão mais unívoca no intuito de que as futuras interpretações do texto legal, uma vez aprovado, sejam feitas no sentido da real proteção ao filho carecedor da pensão por morte.



[1] O presente artigo foi publicado originalmente na Revista Eletrônica da Escola Paulista de Direito Social (EPDS) em 12.08.2008. Disponível em: <http://www.epds.com.br/site/index.php?link=revista&act=ver&id=23>. Uma versão anterior, sem o detalhamento da jurisprudência e do conceito de dependência econômica, foi publicada na revista Jus Navigandi, n. 1.732, ano XII, 29.03.2008 (ISSN: 1518-4862). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11105>.

[2] Devemos consignar, aqui, o ilustrativo pensamento que "é óbvio que o diálogo entre as liberdades individuais e as liberdades sociais vai fazer com que haja novos patamares civilizatórios e constante elevação do conteúdo das relações humanas. A perspectiva tem de ser uma só: a da evolução. Dentro dessa perspectiva da evolução, é justificável uma restrição de natureza individual, se ela, no fundo, contiver um ganho de natureza social. Isso não deve ser visto sob a contingência meramente econômica. A discussão transcende a questão meramente econômica porque, na verdade, temos de ter em vista a paz social. A equação a ser encontrada não deve levar em consideração apenas elementos de natureza contingenciais, que acabam esfacelando a força normativa da Constituição, que só vai ser preservada onde os direitos individuais e direitos sociais são preservados, sem ceder a pressões de natureza meramente contingenciais e fáticas. Dentro desse contexto, uma vez localizados constitucionalmente os direitos sociais e colocados como direitos fundamentais, nossa dinâmica de interpretação vai ser aquela que busca a unidade político-constitucional dentro desse sistema."  (CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 69-70. grifos nossos)

[3] CORREIA, op. cit., p. 70-71.

[4] TRF da 3ª Região (10ª Turma). Apelação Cível n. 1.111.524. Julgamento em 08.06.2006 (v.u.). Rel. Des. Fed. Castro Guerra.

[5] Neste sentido, bastante didática é a lição dos professores Marcus Orione e Érica Correia ao dizer, tratando da interpretação própria da seguridade social em exemplo de aparente conflito entre a norma constitucional e sua regulação legal ordinária, que: "(...) a questão que se postula não é a da utilização alternativa do direito, o que se postula aqui, certamente, é a idéia do pós-positivismo, que consiste na busca dos princípios constitucionais, para se alcançar o justo a partir da possibilidade de justiça constitucional (que pretende determinada unidade política). Nesse contexto é extremamente relevante a interpretação do direito." (CORREIA, op. cit., p. 71-72). Ainda sobre o tema, também nos parece útil trazer que "dentro desse contexto, poderíamos verificar que a atuação jurisdicional, embora não sendo totalmente originadora do direito, é extremamente relevante por meio da interpretação in concreto, como 'reinvenção' diária do direito. Essa 'reinvenção' não implica, obviamente, um ineditismo,mas a adequação segundo os princípios constitucionais e, no plano dos direitos humanos, até mesmo de postulados supranacionais do direito." (CORREIA, op. cit., p. 58).

[6] TRF da 3ª Região (10ª Turma). Apelação Cível n. 1.219.952. Julgamento em 13.11.2007 (v.u.). DJU 28.11.2007. Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento. Assinale-se que o entendimento aqui trazido é reiterado em diversas oportunidades pelo mesmo magistrado, não constituindo, pois, caso isolado.

[7] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 182.

[8] O Projeto de Lei n. 2.483/07, da Câmara dos Deputados, aqui em análise, encontra-se disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=378165>, acesso em maio/2008.

[9] BOBBIO, Norberto. Teoria della scienza giuridica, p. 200-36 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 158-159.


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Como citar este artigo:
NASCIMENTO, Carlos Eduardo Bistão. Pensão por morte devida ao filho maior de 21 anos: o Projeto de Lei n. 2.483/07. Pensando Direito, São Paulo, 03 nov. 2008. Disponível em: <http://carlosnascimento.over-blog.com/article-24390647.html>. Acesso em: ____.

 

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Boa noite meu caro, eu fui o autor deste artigo que você sem qualquer autorização se apropriou como fosse de sua autoria, lhe dou a oportunidade para retirá-lo do ar sob pena ter de tomar as medidas jurídicas cabíveis.
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